10 anos da Lei do Saneamento Básico: de quantas décadas mais precisaremos?

Neste mês de janeiro celebramos 10 anos da Lei do Saneamento Básico, o importante marco regulatório dessa infraestrutura tão importante, mas tão esquecida. A Lei 11.445, de 2007, estabelece as diretrizes nacionais para o setor, mas também trouxe regras e introduziu um conjunto de novos instrumentos de gestão, como a regulação e o planejamento com vistas a melhorar a eficiência das empresas operadoras e se chegar, enfim, à almejada universalização.

Cabe ressaltar que nos últimos anos o saneamento básico ocupou uma agenda de destaque para a sociedade, principalmente em função de suas carências configuradas nas crises sanitária, causada pelo mosquito transmissor aedes aegypti (dengue, zika e febre chikungunya), e hídrica das regiões Sudeste e Nordeste. Mesmo a Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2016 também tratou do tema, e isso contribuiu muito para levar a discussão aos cantos mais remotos do país, às áreas pobres e distantes, além de bairros nobres.

Resta, então, avaliarmos o que a Lei trouxe de bom, se ajudou a enfrentar os entraves e desafios da universalização, a melhoria da prestação dos serviços de água e esgotos, a implementação do planejamento, da regulação e do controle social dos serviços.

Em relação à universalização, previu-se por meio do Plano Nacional de Saneamento Básico – Plansab - que o País precisaria de R$ 304 bilhões e demoraria 20 anos para alcançar o acesso universal da água e dos esgotos. Porém, bastou somente um ano após a edição do plano para que os cenários estabelecidos nas metas ficassem obsoletos, especialmente por conta dos (muito diferentes) índices previstos de inflação e crescimento do PIB. Para mostrar a distância, estudos recentes da Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontam que no cenário atual somente chegaríamos à universalização do abastecimento de água em 2043 e do esgotamento sanitário em 2054.

Segundo o Ministério das Cidades, no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS, o índice de pessoas atendidas com água tratada aumentou de 80,9% em 2007 para 83,3% em 2015, ou seja 2,4 p.p. (pontos percentuais) em 9 anos. Na coleta de esgotos de 42,0% em 2007 para 50,3% (são 8,3 p.p.) e tratamento dos esgotos gerados de 32,5% em 2007 para 42,7% em 2015 (10,2 p.p.). Significa que em todos esses indicadores mal chegamos a 1 p.p. de progresso ao ano, o que é vergonhoso. Já nas perdas de água potável nos sistemas de distribuição, por vazamentos e roubos, a redução foi de 7 p.p., mas o índice de 2015 se manteve em 36,7%, ainda muito elevado se lembrarmos as carências de água em várias regiões do Brasil.

Se pensarmos que esse pouco avanço ainda está concentrada nas área urbanas e regulares das cidades, o que dizer do quase nenhum avanço no atendimento de água e esgotos nas áreas rurais e nas áreas irregulares. Estudo do Trata Brasil mostrou que somente nas 100 maiores cidades brasileiras há mais de 10 milhões de pessoas em aglomerados subnormais, em sua maioria sem acesso aos serviços básico de água e esgoto. A solução do problema extrapola os prestadores de serviços, que legalmente são impedidos de prover infraestrutura nestas áreas, então resta torcer para haver um maior entendimento entre Prefeituras, Ministério Público, empresas prestadoras, Agências Reguladoras e sociedade.

Outro problema diz respeito à ociosidade das redes de esgoto, locais onde existem redes de coleta de esgotos, mas as pessoas não conectam suas casas. Um levantamento identificou que mais 3,5 milhões de pessoas nas 100 maiores cidades poderiam ter suas casas ligadas às redes de esgoto, mas não se interligam ao sistema por não querer: pagar a conta do esgoto e danificar o piso de casa para passar a tubulação; outros alegam não terem sido informados ou se justificam com outras razões. A solução do problema fica a cargo das prefeituras, mas essas pouco fazem para exigir que o cidadão faça a sua parte.

No tocante à implementação do planejamento como linha condutora dos investimentos em saneamento, o próprio Governo Federal não deu o exemplo ao promover sucessivos adiamentos nos prazos impostos aos municípios para entregarem seus Planos Municipais de Saneamento Básico – PMSB. De 2013 passou a 2015, 2017 e na Câmara Federal há projetos de Lei que pretendem adiar ainda os prazos para 2019 e 2020, a depender do porte do município. Como a entrega do PMSB é condição para acesso a recursos da União, esperava-se que as cidades aderissem rapidamente, mas isso não aconteceu. E os adiamentos desacreditaram este importante instrumento, mas principalmente desmotivaram aqueles municípios que cumpriram os prazos.

Outro grande avanço trazido pela Lei do Saneamento foi a imposição de que todos os municípios devem ter seus serviços regulados por uma Agência Reguladora. A regulação efetiva e de qualidade é o único instrumento com resultados de curto prazo para ampliar o atendimento e melhorar a eficiência do setor, mas ficou restrita a poucos estados da federação. É fundamental termos agências estruturadas, com independência decisória, autonomia administrativa, orçamentária e financeira, transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade.

Por fim, a Lei instituiu o controle social, fortemente apoiado pelo Governo Federal, mas muito pouco resultado foi notado e a população continua distante da discussão. Precisamos, por exemplo, fortalecer os conselhos sociais envolvidos com o saneamento e as entidades de defesa dos consumidores.

Apesar de todas as dificuldades expostas, a Lei 11445 foi fundamental para os avanços conseguidos, mesmo que tímidos. O que não podemos é continuar assistindo passivamente a poluição do meio ambiente e a proliferação de doenças aguardando outras décadas para dar ao cidadão o mais essencial: uma água boa para beber e seus esgotos coletados e tratados.

 

Este artigo foi escrito por Édison Carlos (presidente executivo do Instituto Trata Brasil) e Alceu Galvão, doutor em Saúde Pública e sócio da REINFRA.

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