Por que a universalização do saneamento básico é uma meta tão difícil de ser atingida no Brasil? - Pensar Brasil

*Carlos Tieghi

O desenvolvimento sustentável de um país deve ser caracterizado pelo crescimento econômico de baixo impacto ao meio ambiente, mas depende também de políticas públicas eficazes com vistas a soluções de desigualdades de ordem econômicas e sociais, dentre as quais, os direitos fundamentais à vida, à saúde e a habitação.

O saneamento é um direito essencial garantido constitucionalmente no Brasil. Este reconhecimento legal é reflexo das profundas implicações desses serviços para a saúde pública e do ambiente à medida que sua carência pode influenciar de forma negativa campos como educação, trabalho, economia, biodiversidade, disponibilidade hídrica e outros.

Entretanto, a realidade traduzida em um déficit de rede coletora de esgotos de 40,9% (PNAD, 2009) revela o atraso da agenda nacional em saneamento. Apesar de o Brasil possui hoje o 10º maior Produto Interno Bruto do mundo, está em 70ª posição com relação ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Em um terceiro ranking, o de pessoas sem acesso a banheiro, divulgado pela UNICEF e OMS, o país, que sediará a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, aparece em 9º lugar, com uma fatia de 13 milhões de brasileiros que se quer tem banheiro em casa. 

Um estudo divulgado pelo Instituto Trata Brasil em Maio sobre a prestação de serviços de água e esgoto nas 81 maiores cidades brasileiras, com mais de 300 mil habitantes, releva que, apesar do avanço de 4,5% no atendimento de coleta de esgoto e de 14,1% no tratamento de esgoto entre 2003 e 2008, ainda estamos longe de poder comemorar. Todos os dias são despejados no meio ambiente 5,9 bilhões de litros de esgoto sem tratamento algum, gerados nessas cidades, contaminando solos, rios, mananciais e praias, com impactos diretos na saúde da população. Se traduzirmos em números, as 81 cidades representam 72 milhões de habitantes, que consomem, em média, 129 litros de água por dia, sendo que 80% da água consumida se transforma em esgoto, e apenas 36% desse esgoto recebe tratamento adequado.

Além dos impactos ambientais citados acima, o Instituto Trata Brasil, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, vem, desde o seu nascimento, realizando diversas pesquisas que comprovam que a falta de saneamento impacta de forma negativa os indicadores sociais e a economia, afetando principalmente as crianças.  

De acordo com a pesquisa “A falta que o saneamento faz”, encomendada pelo Instituto Trata Brasil a FGV, crianças que vivem ou estudam em áreas sem acesso aos serviços de saneamento básico tem redução de 18% no aproveitamento escolar. A pesquisa também revela que as principais vítimas da falta de saneamento são as crianças na faixa etária entre 1 e 6 anos, com probabilidade 32% maior de morrerem por doenças relacionadas a falta de acesso a esgoto coletado e tratado de forma adequada.

Outra pesquisa encomendada pelo Instituto Trata Brasil a FGV, “Benefícios Econômicos da Expansão do Saneamento Brasileiro”, divulgada recentemente, comprova que a implantação de rede de esgoto reflete positivamente na saúde e na qualidade de vida do trabalhador gerando o aumento da sua produtividade e renda. A pesquisa revelou que, por ano, 217 mil trabalhadores precisam se afastar de suas atividades devido a problemas gastrintestinais ligados a falta de saneamento. A cada afastamento, perde-se 17 horas de trabalho em média. A probabilidade de uma pessoa com acesso a rede de esgoto faltar as suas atividades por diarréia é 19,2% menor que uma pessoa que não tem acesso a rede. Considerando o valor médio da hora de trabalho do País de R$5,70 e apenas os afastamentos provocados pela falta de saneamento básico, os custos chegam a R$ 238 milhões por ano em horas pagas e não trabalhadas.

Por outro lado, ao ter acesso à rede de esgoto, um trabalhador aumenta a sua produtividade em 13,3%, permitindo assim o crescimento de sua renda na mesma proporção. A estimativa é que a massa de salários, que hoje gira em torno de R$ 1,1 trilhão, se eleve em 3,8% , provocando um aumento na renda de R$ 41,5 bilhões.

O estudo também apurou que em 2009, de acordo com o DATASUS, dos 462 mil pacientes internados por infecções gastrintestinais, 2.101 faleceram no hospital. Cada internação custa, em média, R$ 350,00. Com a universalização da rede de esgoto, seria possível obter uma economia de R$ 745 milhões em internações ao longo dos anos. Com o acesso universal ao saneamento, haveria uma redução de 25% no número de internações e de 65% na mortalidade, ou seja, 1.277 vidas seriam salvas. 

Os números apresentados acima deflagram a gravidade da situação atual do Brasil. Serviço absolutamente essencial, a coleta e o tratamento de esgoto têm sido deixados de lado por sucessivos governos. Em que pese os avanços, como o advento do Marco Regulatório do setor, a criação do Ministério das Cidades em 2003, as Parcerias Público-Privadas e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) o País continua patinando e precisa investir muito mais para diminuir os déficits e garantir qualidade de vida e saúde a população.

Para atingir a universalização do saneamento básico, ou seja, prover água e ligação a rede de esgoto em todos os domicílios brasileiros, o País precisa mais do que dobrar os investimentos em saneamento. Segundo dados do setor, para universalizar os serviços, seriam necessários investimentos de R$ 270 bilhões. Considerando os valores do PAC, destinados ao saneamento no período de 2007 a 2010, de R$ 40 bilhões, seriam necessários pelo menos 7 PAC´s para alcançarmos essa meta. Ou seja, 7 governos priorizando os investimentos em saneamento.
A necessidade de priorização dos investimentos em saneamento foi reconhecida recentemente pelos coordenadores de campanha dos três principais candidatos a presidência. Xico Graziano, coordenador da campanha de José Serra, foi enfático ao afirmar, durante debate realizado pelo Instituto Trata Brasil, que esta é a década do saneamento. Durante o debate, foi consenso entre Graziano, José Eduardo Cardozo, coordenador de campanha de Dilma Rousseff, e João Paulo Capobianco, coordenador de campanha de Marina Silva, a necessidade de se incentivar e ampliar os investimentos em saneamento no País. Os coordenadores de campanha assumiram que seus candidatos têm clareza de que seus governos irão priorizar essa agenda.

Através de seu projeto “De Olho no PAC”, em que acompanha e monitora o status das obras do PAC Saneamento nas cidades com mais de 500 mil habitantes, o Instituto Trata Brasil identificou os principais entraves do setor. Visando contribuir para a redução das dificuldades e barreiras em todas as obras de saneamento do País, o Instituto Trata Brasil preparou um documento com sugestões de ações para que os entraves sejam vencidos ou minimizados e os apresentou formalmente ao Senado e a Câmara.

Esse documento nos ajuda a entender o porquê de a universalização do saneamento ser uma meta tão difícil de ser alcançada. Entre os principais entraves do setor apresentados neste documento do Instituto Trata Brasil merecem ser destacados: a implementação da Lei 11.445/07 com ênfase para a execução dos planos municipais de saneamento; investimentos e recursos insuficientes, com conseqüente estagnação, atrasos, prestação de serviço inadequada e não cumprimento de metas; a dependência de recursos federais, com a conseqüente ampliação dos prazos para se alcançar a universalização; os procedimentos para acesso aos recursos e execução dos empreendimentos, com conseqüente aumento dos custos e atrasos no inicio e na realização das obras; os projetos com viés políticos lançados sem o devido preparo; divisão de competências e pulverização de ações e recursos; os projetos de engenharia desatualizados, imprecisos e mal estruturados; desinformação sobre a importância do saneamento; o desinteresse e desconhecimento da legislação por parte dos titulares dos serviços; e o despreparo dos operadores, e principalmente dos municípios, para acessar os recursos devido a falta de capacidade de endividamento e incapacidade de atendimento aos procedimentos excessivamente burocráticos dos agentes financeiros. Saneamento é investimento e não despesa como provam as pesquisas divulgadas pelo Trata Brasil.

Diante de todos os pontos expostos acima, não há como negar que o País ainda não alcançou a universalização do saneamento por falta de vontade política e má gestão. Pesquisas estão sendo divulgadas regularmente para comprovar que o investimento em saneamento é uma ação de prevenção. Ao investir em saneamento, estamos economizando em saúde, preservando o meio ambiente, aumentando a qualidade de vida de nossos cidadãos, melhorando a educação de nossas crianças, sem contar no inegável legado que deixaremos para as próximas gerações.  
Os dados da última Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar, divulgada recentemente pelo IBGE, mais do que comprovam que o saneamento foi deixado de lado pelos últimos governos: a sociedade hoje conta com mais acesso a tecnologia que a rede coletora de esgotos. Dado o contraste dos indicadores do setor de saneamento com os demais (rede elétrica, telefonia, internet, entre outros), cabe ao próximo governo priorizar o saneamento básico e promover todas as alternativas de investimentos previstas na legislação para prover esses serviços básicos para a população. E cabe, a sociedade civil, exercer a sua cidadania e exigir, cobrar e acompanhar de perto os investimentos em saneamento básico. 

* Carlos Tieghi é presidente do Conselho do Instituto Trata Brasil

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