Os dois lados do Saneamento Básico - Gazeta do Povo

*Clóvis Blofeur

Tempos atrás participei de um debate sobre saneamento. Falei logo que ter água em casa faz toda a diferença para as pessoas. Afinal trata-se do bem que preserva a vida! Sem duvidar, emiti a minha opinião: como é bom ter água encanada! Dá para cozinhar, tomar banho e lavar as mãos sem grandes dificuldades. Com satisfação podemos comemorar que  84,4% dos domicílios no país tem acesso a rede de água, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 2009.

A discussão seguiu para um ponto que até então tinha sido esquecido. O que acontece com a água que entra na casa e sai na forma de esgoto da cozinha, banheiro e lavanderia? Vai para a fossa séptica ou para a rede de esgoto. Cerca de 80% da água encanada sai das casas na forma de esgoto.

De fato, acesso à água é apenas um lado da moeda. Em mais da metade das casas, o esgoto vai para as fossas sépticas (muitas vezes precárias) ou para a rede pluvial e daí direto para a rua ou córrego mais próximo, com a falsa sensação de que o esgoto foi mandado para longe. Segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB 2008), somente 44% dos domicílios do país tem  acesso à rede geral de esgoto, e apenas um em cada três municípios, faz o tratamento do esgoto que é coletado. No Norte e Nordeste este percentual é menor. Existem estados nos quais a situação é inversa. Foram realizados investimentos públicos para construir as estações de tratamento de esgoto, mas a população se nega a ligar o imóvel na rede de esgoto. E o poder público não pode obrigar a população a pagar a taxa de ligação e uma tarifa mensal, que, em média, pode elevar a conta de água cerca de 40%. Por isso o assunto de água deve estar casado com o esgoto, não tem jeito. As pessoas precisam ser convencidas de que são responsáveis pelo esgoto -  e focos de doenças, que produzem.

As crianças doentes faltam mais na escola. Com isso elas tem mais dificuldade para aprender e passar de ano. Essas crianças tem um aproveitamento na escola 18% menor que das crianças com acesso ao saneamento básico (Pesquisa Saneamento, Educação, Trabalho e Turismo – Trata Brasil/FGV, 2008).  Quando a gente junta tratamento de esgoto, água encanada e coleta de lixo, no Brasil, são 5 milhões de crianças  que não tem estes três serviços juntos (Síntese dos Indicadores Sociais (SIS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 2010). Quem convive com o esgoto na porta de casa sabe como é.

Quanto mais esgoto a céu aberto, mais doenças, internamentos e mortes, especialmente de crianças. Parece que o poder público e a sociedade, por vezes voltam na história, para uma época em que se acreditava que as doenças eram frutos do acaso, ou de forças sobrenaturais.

Precisamos acordar  do sono encantado que nos impede que associarmos a doença com a sujeira.

 *Clovis Boufleur é Gestor de Relações Institucionais da Pastoral da Criança

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