Um Brasil de contrastes - Jornal da Tarde

*Édison Carlos

País caminha com avanços tecnológicos de primeiro mundo em contraste com condições sanitárias do século 19

Nas várias viagens que tenho feito para atender a eventos e reuniões sobre as carências do saneamento básico, visitei grandes capitais, inclusive várias das cidades-sede da próxima Copa do Mundo. Cidades que detém uma comunicação moderna e em franca expansão convivendo ao lado de cidades menores onde este e outros serviços estão bem menos desenvolvidos.

Independente do tamanho da cidade, no entanto, cada vez mais me espanta o rápido avanço da Internet móvel, da banda larga. Segundo levantamento da Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil) foram mais de 50 milhões de acessos em banda larga no Brasil, apenas no último mês de setembro. Se considerarmos os últimos 12 meses, o acesso a esse serviço cresceu 94% e quadriplicou nos últimos dois anos, um aumento de 440%, o que nos coloca na oitava posição entre os países com maior base de acessos em banda larga móvel. Em setembro também, o governo anunciou investimento de R$ 200 milhões em infraestrutura nas cidades-sedes da Copa do Mundo de 2014 para oferecer internet rápida via celular. O objetivo é facilitar o acesso dos turistas às transmissões de voz e às imagens em alta definição.

Dá-me orgulho saber que estamos entre os países que mais acessam a rede mundial e de saber que caminhamos tão rapidamente em áreas nobres da tecnologia. Como é difícil atualmente achar um brasileiro sem um (ou dois) celular(es), seja nas grandes cidades, seja nas áreas rurais mais distantes. Nestas horas, penso: 'Este é um país com um pé no século 22'.

Se dependesse só da economia ou do acesso à Internet é certo que estaríamos caminhando a passos largos para abandonar de vez o famoso título de 'país em desenvolvimento' para sermos 'país desenvolvido'... Mas para isso não bastam a evolução da economia e da Internet.

A imagem de um Brasil sólido não resiste quando as comparações seguem para o que há de mais essencial ao cidadão. Isso ficou evidente quando vimos que nosso país, apesar de subir no ranking mundial do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), em 2011 ainda ocupa a posição de número 84 entre as 187 nações deste ranking, criado há 20 anos.

O índice brasileiro (0,718), apesar de situar o país entre os de “alto desenvolvimento humano” ainda está abaixo do conjunto dos países da América Latina como Chile (0,805) e Argentina (0,797) e muito inferior aos primeiros colocados, como a Noruega, Austrália e EUA.

Ainda somos atrasados, e muito, no que há de mais básico. Somente 45% da população está conectada a uma rede de esgotos, segundo o próprio Ministério das Cidades, e do pouco esgoto que se coleta somente 1/3 é tratado. Significa que jogamos diariamente bilhões de litros de esgoto 'in natura' em nossos cursos d´água gerando doenças e danos ao meio ambiente. Pelos números do próprio Governo Federal, e que constam no PLANSAB - Plano Nacional de Saneamento Básico – precisaríamos de R$ 420 bilhões para resolver as quatro áreas do saneamento (água tratada, coleta e tratamento dos esgotos, lixo e drenagem); destes, R$ 270 bilhões somente para universalizar o acesso à água tratada e ao esgotamento sanitário.

É imprescindível, portanto, recuperar duas décadas de descaso com o saneamento e que criaram este déficit gigante. Mesmo para o fornecimento de água, tratada como prioridade, ainda existe carência em várias cidades, seja por falta de rede distribuidora, vazamentos, medição inadequada, roubos ou 'gatos'. A perda média de água no país beira os 40%.

Vivemos, então, num Brasil de contradições: do século 21 com o século 19, da mobilidade virtual e das verminoses, das cirurgias a distância e das diarreias, do Genoma e da cólera, da robótica e dos coliformes.

Não se trata, portanto, de comparar coisas incomparáveis, ainda mais porque a  Internet está presente em tudo e não conseguimos mais viver sem ela, mas não é mais possível esquecer do básico. É preciso prestar conta ao cidadão da infraestrutura mais elementar, preencher o vácuo de nossas necessidades imediatas. E a nós, cabe cobrar o que nos é de direito.

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